Soul

Minha foto
Sampa caótica, SP, Brazil
Um equilíbrio dinâmico entre o prazer e a dor.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Eu chorei


                Como alguns amigos sabem, sou asmática, não sei se é a dor do mundo que esmaga meus pulmões... ou se eu invento as dores para me justificar; mas o que quero contar aqui é o que através disso pude viver e ver. Ontém (dia 20/06/2011) precisei de cuidados médicos, por opção não tenho convênio, então fui para um hospital público perto da minha casa, lá esperei 6 HORAS para ser ATENDIDA, e mais aproximadamente 20 minutos para ser MEDICADA. durante a crise passei com o enfermeiro, ele disse que meus sinais vitais eram bons, perguntei se isso significava que eu estava com pouca falta de ar, disse que sim. Logo pensei que dizia isso pq não estava sentindo o mesmo que eu, que provavelmente ele nunca se afogou, ou ficou impossibilitado de respirar de alguma forma, mas isso não me irritou, estava lá como tantos, e a minha dor, só pq era minha, não era maior do que a dos outros, então sem lugar para sentar, vendo muitas pessoas diferentes ( "porém não desiguais") me deixei ser...e com meu povo mais uma vez sofri.

Sofrer....

            6 horas para ser atendida, o plantão dos médicos era de 12 horas, 2 clínicos e 2 pediatras, se não me engano 4 auxiliares de enfermagem, 1 enfermeiro padrão; 2 funcionários faziam as fichas e mais 2 organizavam as chamadas e encaminhamentos. Na minha frente eram 76 adultos, mais as fichas de atendimento preferencial que não sei dizer quantas eram.

            Todos exaustos, no limite da razão... os médicos após sequências seguidas de atendimentos, saiam do consultório feito zumbis. Enfim, me sentei um pouco em frente a mesa que encaminhava as fichas, por vezes vi um dos pediatras abaixando a cabeça e apoiando-a entre as mãos totalmente curvado, respirava fundo esperando mais 20 fichas, recebendo-as, dava um sorriso amarelo tentando resgatar vigor para continuar os atendimentos. 
           Funcionários da saúde trabalhando como operários e nos atendendo feito coisas. Resultado de administração privada em hospital público, transformado o hospital em empresa com lógica de produção. Exemplo claro da politica neoliberal que desvia as responsabilidades do governo.

Desmaios, febres, gripes, conjutivites, sabe-se lá mais o que... 

Filhos da nossa doença.

Alguns jovens esperavam atendimento médico, jovens com filhos, jovens com pais, jovens sozinhos como eu.

E...

...uma jovem achando muita a demora, foi chingar uma atendente delicada com olheiras e cara de cansada, pegou pesado, mostrou toda sua indignação, bom seria se chingamento e revolta fosse direcionado para a pessoa/pessoas, organizações, e responsáveis por aquele caos. Acharia maravilhoso se essa revolta fosse tansmissível como os vírus que por ali "circulavam".  E que esse vírus chamado revolta fosse mútavel e que ele pudesse se tornar em discurso organizado, em dialética crítica e ação. 

No consultório a médica não precisou me examinar, minha respiração fazia tanto barulho que ela logo já prescreveu corticoide na veia. Fui para a sala de medicação, esperei mais 20 minutos, o enfermeiro que me atendeu, assim como os outros 3, me era familiar.  Tenho evitado tomar remédio, os remédios na minha opinião não são saúde, são doença. (...)
Foi então que o enfermeiro disse que minhas veias estão desaparecendo, disse que da próxima vez eu deveria pedir "intramuscular" (é isso Elis?) para poupar e reserva-las para possíveis urgências no futuro, me furou algumas vezes, minha veia estorou, senti dor, então chorei...

           Eu chorei, mas não foi só a dor física, eu chorei pelas nossas horas perdidas, sofridas, contaminadas, entristecidas... eu chorei pela impotência, eu chorei pela doença, pelo caos, chorei pela nossa morte em vida, chorei por que eu não sei o que fazer, e essa miséria em que vive o meu povo me parece uma situação eterna, e de certa forma é, pq a nossa eternidade é nosso tempo vivido, e quantas crianças mais precisam sofrer, quantas dores, quantos absurdos??? Isso precisa mudar para ontém, são as nossas vidas!!! Não pode ser um "trabalho de formiguinha" como ouvi semana passada, o melhor do nosso presente não pode ser o futuro! 

Eu chorei.... chorei por tudo.

"Veloso o sol não é tao bonito pra quem vem
do norte e vai viver na rua,
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria,
e a certeza de que tenho coisas novas,
coisas novas pra dizer,
a minha história é ... talvez
é talvez igual a tua, jovem que desceu do norte
que no sul viveu na rua,
e que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo,
e que ficou desapontado, como é comum no seu tempo
e que ficou apaixonado e violento como, como você
Eu sou como você. Eu sou como você. Eu sou como você
que me ouve agora. Eu sou como você. Como Você. "

4 comentários:

  1. Um retrato triste da nossa sociedade. Esse modelo neoliberal é um dos mais agressivos que podem ser adotados pelas políticas de Estado. É agressivo, abusivo, egoísta e piscicótico. Só nao podemos achar que ele é uma face má do capital, que é assim porque os estadistas o fazem assim. Com certeza, estes tem uma parcela imensa de culpa, pois, muito do que fazem, parte de sua convicçoes direitistas. A crítica deve ser feita ao capital como um todo. Tudo que vemos é consequencia de um sistema contraditorio, que se explicita das formas mais violentas e criticas.

    Como você disse, todos estão doentes, a sociedade é doente, e reproduzimos a doença de maneira tao natural que assusta quando nos damos conta de quao perversa ela é.

    ResponderExcluir
  2. Realmente fica difícil falar, só quem já passou pelo desespero, de precisar e não ser atendido, de ser largado como um trapo, pode descrever, e olhar ali nos rostos que poderiam te ajudar e ver o cansaço e o ar, como se fosse mais um. Como se não fossemos seres dotados de historias, vidas diferentes que se assemelham. o que fazer então?
    Queria saber!!
    Mas não participar de nada, virar as costas. E só por que, não ocorreu com você ignorar o que acontece com outros, com certeza não é a resposta

    ResponderExcluir
  3. Seus comentários explicam todos os meus sinais e sintomas de revolta com o Sistema de Saúde e de angústia diante do modo impotente que me encontro. Enquanto profissional da saúde - se é que posso me considerar PROFISSIONAL DA SAÚDE, pois hoje me considero PROFISSIONAL DA DOENÇA – sinto-me tão desamparada quanto todos os usuários que atendo... é a falência generalizada do Sistema de Saúde. E ao pensar no atendimento privado, hoje ele também não abarca com todas as suas obrigações. Enganam-se os que acham que tirando mensalmente o dinheiro do pão e leite, para pagar um plano se saúde, serão salvos de todo esse caos. A falência é geral pequena Cyn! Me acabrunho, me desespero, me indigno, meu corpo e minha mente adoecem diante de tanta dor, sofrimento e desamparo. Mas enquanto indivíduo, faço a minha luta, a minha briga, a minha parte - além do que me é permitido, e a cada dia em que me aborreço e entristeço com as dores do mundo me inspiro em fazer a minha diferença. Diferença essa que não se envaidece necessitando estar diante de olhos alheios...

    Esses dias fiz um estudo de caso de um paciente boliviano (no Brasil há 2 anos) internado no pronto socorro da Santa Casa de São Paulo. Me chamou a atenção o fato dele estar doente há tanto tempo e não ter sido operado antes e fui atrás de artigos pra compreender melhor a situação da saúde na Bolívia. Lá o direito à saúde está assegurado para crianças com menos de 6 anos e mulheres com gravidez de risco. Essa realidade explica muita coisa, pois qualquer intervenção médica da mais simples que seja é necessário que a população arque com as despesas. Fica nítida a diferença de dois países tão próximos e esse meu comentário não é para que nós brasileiros nos sintamos mais acolhidos com o nosso SUS, mas que briguemos pelo que nos é de direito – SAÚDE PARA TODOS.
    Ah pequena Cyn, se eu pudesse estaria a todo tempo ao seu lado para não deixar-te “afogar na falta de ar”, te medicaria e não te deixaria esperar um minuto para cessar o seu sofrimento. “Cada um sabe o peso da dor que carrega no peito”.

    Elis Muriel

    ResponderExcluir